Um livro...







É um peso diferente que tenho nas mãos, um livro... Jogo-o de uma mão para a outra..., de uma mão para a outra... O do livro, o peso, nem o faz abrir no ar, é mesmo um peso diferente... Comprei para ela: feltro, letras douradas, edição limitada, erro na folha de rosto, dedicatória; ainda em bom estado, as páginas amareladas só aumentam o charme, o preço ainda em réis anotado no canto direito superior, com uma caligrafia feminina que ela não quis apagar... só Deus sabe como foi difícil achar esse livro — talvez o diabo também. Sebos, sites, alfarrabistas. Nada. Até roubá-lo da biblioteca da universidade. Não, roubar não: eu paguei por ele, comprei de um funcionário. Crime e castigo? Nem para mim, nem para ele. E agora só resta o livro... parece ter sido fácil deixá-lo para trás passou a madrugada juntando suas coisas em uma mala e uma mochila, que nem mesmo cheias foram — não havia espaço para o livro? Sim havia... Mas somente ele ficou. Pela janela acompanhei o esforço ao vê-la carregar a mala — é, talvez não houvesse mesmo espaço — não tive pudores de gritar para que voltasse, não virou o rosto pela última vez. Mesmo amanhecendo, dormi com o livro entre as mãos, levantei com o sol na minha cara, vindo da janela... Por que ela não te levou? Só então percebi que nunca chegara a metade da história... estava lá na página marcada, 117, uma foto nossa, dobrada ao meio, mal revelada; dois fantasmas: ela e eu; ela segurando o livro... Voltei a janela, é claro que não tinha ninguém lá... Ia deixando o quarto com os livros nas mãos. É um peso diferente, jogo-o de uma mão para a outra..., de uma mão para a outra... de uma mão para a outra... de uma mão para a outra... Filha da puta!!!!!!!! O grito veio primeiro, o peso do livro depois; nem o faz abrir no ar, é mesmo um som diferente... o baque seco no asfalto, lá embaixo...


"Defenestrar: v. (a1958) 1 t.d. atirar (alguém ou algo) janela afora, violentamente." Me veio certinho, à mente, o verbete do dicionário...

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