Um corpo na neve na RapaDura [spot]
Como sabem - ou a maioria - sou um dos editores da recém lançada revista digital RapaDura. Terei uma papel mais de bastidores do que holofotes, mas esporadicamente, um texto ou outro irá surgir. E como toda primeira edição é especial, não poderia deixar de participar com alguma coisa nela. A RapaDura é um revista temática e tomamos a loucura para ser o primeiro tema, pensei em não me ocupar muito e pretendia reapresentar um texto já escrito e publicado aqui e ali, mas no decorrer daquilo que foi surgindo para a revista, e a forma com que cada vez mais me envolvi como um certo personagem que se tornou - sem querer - o personagem desta edição, preparei um texto inédito.
Robert Walser além de um escritor fascinante também o é como personagem - diria inebriante até. Paradoxalmente ao que desejou em vida, o que ele mais queria era desaparecer, por um tempo seus livros andaram sumidos, mas um dos escritores prediletos de Kafka não atingiria seu objetivo. Talvez em parte pelas circunstâncias excêntricas de sua vida e, sobretudo, de sua morte. E é a partir dela que posiciono a minha escrita e tento - de maneira simplória - contar parte da história de dois garotos que 'topam', no dia de Natal, com um homem na neve, Walser, e como tal fato mudou a vida de cada um.
Para saber como trabalhei essa história, convido a lerem essa história no dia 04/05, às 12h na Revista RapaDura. No momento ofereço um diminuto trecho sugiro também lerem Os exercícios de redação de Fristz Kocher, obra inédita do autor suiço que a revista está repoduzindo em seus pixels e o belo artigo do outro editor da RapaDura, Christian Fischgold, "Vila-Matas e Walser: o desaparecimento e a loucura". Vamos ao texto:
"Eu percebi algo de estranho antes de Peter e por isso parei... das pequenas colinas que levavam ao centro psiquiátrico Krombach vi algo que destoava de tudo ali. As pegadas sobreviventes à neve eram fundas, a distância entre uma e outra era pouca, tortas e vacilantes, sinais claros de que seu dono cambaleava ao deixá-las. Segui-las foi inevitável. A cada passo, meu coração se elevava dentro no peito, o frio já não era sentido, de Peter eu ouvia a respiração ofegante e no vasto daquele cenário branco, víamos a trilha completa que as pegadas faziam: próximo à cerca do Hospício. Uma mancha escura borrava o branco, no fundo do vale. Corremos. Um homem emborcado na neve. Congelamos. Não sei quanto tempo ficamos em silêncio, o chapéu caído, não víamos o rosto do homem emborcado na neve, um grosso casaco de feltro. Foi Peter quem agiu primeiro, com a vara que não abandonava e que antes era uma espada de pirata, e agora servia para verificarmos com cautela quem era aquele homem-da-neve. Eu, há dois passos dele e com a mão no seu ombro, tremia. Com a ponta da vara, Peter cutucou a sola do sapato do homem... Nada. Outras tentativas... Nada. Notei que as mãos do homem estavam encobertas pelo peito; Peter, então tentou empurrando com mais força a vara nas costas do caído... Nada. Decidimos virá-lo.
do conto "Corpo & Neve"
Mauro Siqueira
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