Office 2010


   

   Brigaram feio. Uma discussão daquelas de despertar os vizinhos do lado, mas só ela quem falou – cabeças ergueram-se das baias... No final, o teclado mero periférico: exasperava-se pelo headset. Seria um cliente? Se fosse seria demitida na hora. Seria de ordem pessoal?, uma advertência formal no horizonte. Ailiane gritava, apontava e gesticulava como se na frente do namorado de fato e de direito estivesse. Foi necessária a intervenção da sua supervisora para contê-la – ela parara a produção que nunca pode parar. Uma infinitude de potenciais clientes, cobranças, promoções, concursos, helpdeskers, suporte, consultoria, aconselhamento espiritual, “ligue agora: zero-onze,catorze-zero-meia” de serviços para oferecer interrompidos com sua estranha atitude. À supervisora da tarde, bastou tocar-lhe o ombro e Ailiane entendeu o teatro das atenções que virara (alguém no fundo filmava pelo celular), calou-se um segundo ou dois, respirou fundo, tirou os fones do ouvido, mas não sem antes enfatizar numa voz caps lock de ser: “Chega, acabou. Você não existe mais pra mim: vou tirar você da minha existência” bem perto do pequeno microfone. (alguém no fundo do escritório, timidamente, aplaudiu).
   No banheiro, podia ouvir a sinfônica de blips e trims e vozerio das centrais telefônicas e seu títeres; ainda estava exausta, o rosto lavado e ainda úmido; na mão, a folha azul-bebê – fora mesmo advertida. Olhou bem para si no espelho. Era bonita, saudável e educada. A plaquinha de latão com o seu nome: Ailiane – atendente sênior II – em breve podia se candidatar a supervisoria da sua seção. Encheu-se de orgulho, estufou o peito, secou o rosto, passou mais um pouco de batom e tirou o excesso no papel azul da advertência. “Chega, acabou. Você saiu da minha vida Simon”, repetiu. Foi direto para a baia THX-1138, apenas olhando em frente, seca. Retomou o trabalho automaticamente e todos pareceram não se importar com ela desde que voltara do banheiro – a impressão que dava, era que nada demais tinha acontecido, já estavam todos absortos pelo lcd-hipnose de seus monitores. Ao menos estava desperto, o “morador” da baia LHC-010 a sua esquerda, ergueu-se lentamente e olhou para Ailiane, balbuciou alguma coisa, ela não ouviu ou não quis tomar conhecimento do gesto, manteve-se fiel ao que fazia no teclado: digitou uma proxy conhecida para burlar a restrição do seu Orkut, Facebook, Twitter, MSN e mais uma infinidade de sites. Em cada um deles foi deletando, excluindo, bloqueando o usuário Sim_82, seu namorado, o habitante da baia LHC-010, aquele a sua esquerda, ignorado sumariamente há minutos, e motivo do seu ataque o mesmo ataque que à noite já estaria upado no youtube, e a cada janela que pulava na frente de Ailine perguntando: “Deseja mesmo excluir este usuário?” e ela sem aflição alguma, simultaneamente apertava o “Sim” da morte de Simon repetindo baixinho: “tirei você da minha existência; “Sim”. “Tirei você da minha existência...”

  Ailiane repetiu a frase 54 vezes (só naquele dia), ainda era segunda-feira.

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