Intro 'De estantes e prateleiras' + Os meninos da Rua Paulo

Alguns da minha prateleira

O que faz de um livro seu? Comprar? Ganhar? Ter a posse pelo tempo que você decide ter? As respostas às perguntas, tenho certeza, serão justas. Porém não é só. Eu tenho livros. Muitos (acho). Mas isso é relativo, nas minhas prateleiras, gavetas, estante eles se espalham, empilham-se; tenho certeza de que li mais do que possuo – adquiri-os de várias formas. Um livro é seu quando dele algo ‘fica’ com você – pode ser não se esquecendo da história... ou batizando um filho com o nome de Riobaldo, por exemplo.¬¬ 
Dizem que “você é o que você come”... digo que sou o que leio. Além dos valores que me foram passados pelos da minha Casa, das escolas que passei, dos amigos que tive e que tenho, lugares que vive e da cidade em que vivo; não posso desprezar sobretudo os valores dos livros que li e que acho adormecidos, mas sempre quando leio, ouço, ou vejo um debate-clichê sobre “o que te fez você?”, e suas variações, eles ressurgem em eco àqueles que li e que ficaram. 
Por um tempo fui as leituras das minhas irmãs e a Coleção Vaga-lume; do meu tio assinante do extinto ‘Círculo do livro’ fui a leitura de seus thrillers e do pulps de bolso de faroeste; das bibliotecas(!) das escolas(!!) e públicas(!!!), livros indicados pelas ‘tias’... Até hoje lembro do meu primeiro livro (e acho que já escrevi sobre isso antes aqui); até hoje lembro do primeiro livro que EU escolhi para ler e desde então não parei mais, afirmo que parte da minha identidade – aquilo que sou (e aquilo que vou ser) – seria outra caso não tivesse lido “A revolução dos bichos”, “Dom Casmurro”, “O falcão maltês” e muito mais, ou mesmo das leituras que não conclui como “Angústia” ou “O morro dos ventos uivantes” e outros tantos.
E por que escrevo tudo isso agora? Divido essas impressões para chamar a atenção para a importância de uma biblioteca – interna que seja. Trazer à tona uma pequena discussão do (literalmente) do lugar do livro quando o debate sobre o ele o seu futuro está logo ali nos novos suportes e meios de se ler; de quando o Google se assemelha a gafanhotos famintos em nuvem, devorando/digitalizando tudo no seu caminho e que tenta ser o simulacro da biblioteca borgiana infinita; redes sociais de amantes de livros surgem em todas as direções, mas apenas parecem vitrines de capas e não espaço de discussão em permanente ponto. Tudo isto só para dizer que quero fazer com a minha humilde coluna “De estantes e prateleiras” o meu depósito de impressões e sensações do que li e que me deram osso, a pratleira com o meu nome na “Biblioteca de Babel” que diz na última linha do conto: “Minha solidão se alegra com essa elegante esperança.”
Só mais uma de muitas formas de eu expressar a minha paixão pelo livro e aquilo o que ele circunscreve, incluindo a mim.

ms 

            
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A primeira vez que li, a edição não era nova. A capa remendada com fita crepe, cadernos descolando, orelhas e apesar disso tudo não havia rasuras ou rasgaduras. Por alguma razão o livro impunha respeito. Eu tinha duas semanas para ficar com o livro, mas li em dois dias e eu tinha doze anos. Os meninos da Rua Paulo é um livro que trata da cumplicidade entre moleques, de assumir responsabilidades, da disputa de um terreno baldio – o grund, um espaço de criação e invenção – para brincarem e no seu término o desencanto e a melancolia do “tudo não vai ser mais como antes” – seja pelo destino seja pelo progresso. Eu enxerguei em mim e nos meus amigos os amigos da Rua Paulo – ao virar das páginas eu deixava o subúrbio carioca e estava em Budapeste – cidade que até hoje povoa o meu imaginário e o desejo de ir até lá, só reforçado por outro livro que escreverei em outra ocasião.
Pensar que o livro foi pensado como juvenil, mas que como poucos transcendeu esse ‘gênero’ e foi tomado e cultuado pelos adultos de várias gerações até hoje, que foi transformado em peça de teatro e adaptado para o cinema tantas vezes e música pelo Ira!,  continua sendo atual e crítico? Atual porque sempre haverá alguns moleques brincando com outros moleques, crítico porque cada vez mais o endereço da Rua Paulo desses moleques começa com um www no seu começo e os grunds um ambiente virtual multiplayer qualquer, mas o que importa? Se nesse espaço eles se sentirem livres e vivos como eu me senti durante os dois dias de leitura?
O livro e sua história serviram para mim como esteio, na época minha família eu nos mudávamos: eu estava deixando os meus amigos para trás sem saber se faria outros – fiz. Os melhores até hoje. E quanto não será as Ruas Paulo por aí à fora? E a edição que tenho é colada com fita crepe, algumas orelhas e páginas amareladas.

1 comentários:

Elisa Gaivota disse...

Imaginei você num discurso em cima de uma árvore no meio de uma das florestas mostradas no filme (profético) "Fahrenheit 451" de Truffaut. Lindo discurso Mauro! Já estou me encaminhando para estender as mãos ("vamos todos juntos de mãos dadas") a você ao descer do púlpito florestal. Se eu nunca tivesse lido, correria agora mesmo desesperada para o primeiro sebo da esquina e levaria o primeiro título que me cheirasse "destino". Grande beijo para você e obrigada.

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