De VERMES & outros ANIMAIS rastejantes::

“Há dias que não vinha sentido vontade de deitar uma linha sequer no papel... era falta de tesão mesmo. Ponto.” Estou empacada no meu segundo romance, até então a frase que abre o terceiro capítulo da vida de Clara é onde capitulo. Tornou-se uma ladainha que, irônica, nem na hora de transar me abandona – interrompo o coito, no afã da frase-possibilidade. Tropeçando em móveis pelo escuro (amanhã vai ficar roxo), não espero pelo computador; lápis e papel, necessidades lisérgicas; escrevo sobre o tampo da mesa e em tudo que está à margem: azulejos, assoalho... afoita; se não o fizesse, o fôlego do afogado não me bastaria para me salvar. Escrevo, mas desgarrada, nada sai: amontoado de palavras (sim, bonitas), mas que para mim não satisfazem. Do meu quarto a tosse-sinal dizendo: “Volta e vamos terminar o que começamos”. Ignoro. Elas estão por perto, ainda tenho esperança – ele também. Insisto. Acendo um cigarro e agora, já diante da tela: luz azul (achei um palíndromo) tento salvar as frases fugidias do papel em pixels – lá se vai meu último maço de câncer, o barulho quer faço ao amassá-lo enerva e aperto com força a embalagem. Dói.

Dói saber que aquilo todo martírio, mais uma vez, não dará em nada.

São três da manhã; a frase-precípicio que roga por uma continuidade, uma, duas, três vírgulas que alimentem e saciem seu desejo de seguir a luz azul da tela no escuro, só me deixa mais blues, três dedos de gim com duas pedras depois, apago tudo, inclusive o botão do desejo e volto para o quarto. Ele também desligou as máquinas. Sua beleza é tão... tão solitária que só posso me permitir ser a sua sombra naquele instante, ele se eriça ao meu toque, não dormiu ainda, mas se vinga: não corresponde ao beijo que lhe dou. Quem iria culpá-lo?

Dormir abraçada a ele foi meu pedido de desculpas."

Trecho de Espera-se a perda do sono Conto in progress.