Um conto do fundo do baú: “Amphiprion Ocellaris”

Esse aqui é velho, muito velho!!! Achei sem querer num... disquete. É engraçado para quem escreve reler, pois enxerga coisas que você não faria novamente, os erros as repetições, os clichês, que escrevia "fim" no final das histórias..., no mínimo é engraçado, mas também encontra marcas de outras que você adotou no seu estilo... Sem contar um certo constrangimento, como a de uma foto antiga que você esconde. Como sou meio sem pudores, lá vai do jeito que está, nem lembro se foi a versão final, mas lá vai! (e que venham as pedras!)

ms
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Amphiprion Ocellaris

- Casa do Peixe. Bom dia!
- Eu gostaria que vocês mandassem alguém para limpar meu aquário.
- Claro senhora, qual o endereço?

***

Lúcio tocou a campanhia com toda força, detestava quando eles demoravam, dessa vez foi atendido quase que imediatamente e viu-se no maior mal-entendido da sua existência, algo que ele contaria aos seus netos. Assim que pôs o primeiro pé (o esquerdo) no hall foi empurrado com toda força contra a parede, um homem com o dobro do seu tamanho e o triplo da sua força segurava-o pela gola de sua camisa pólo novinha!
- Então é você o maldito!? – um misto de surpresa e raiva saia da voz do homem.
- Eu só vim limpar seu aquário! – Lúcio gritava.
- Como ela teve coragem... um pirralho como você?
Lúcio não entendia nada, quem era aquele lunático com bafo de cana?, perguntava-se ele, quem era Ela? Olhou para a nota que continha o endereço e ousou perguntar:
- Esse aqui é o 696 do Edifício Otelo? – um tapa na cara o fez esquecer a pergunta.
- Confessa! Confessa filho da ... confessa!
- O quê! O quê! – era tudo o que Lúcio conseguia formar. Foi arremessado contra o sofá de carmesim feito uma almofada do estofado.
- Não saia daí! – bradou o homem.
Lúcio não o faria se o pudesse, estava branco como o leite, todo sangue fugira do seu rosto, só conseguia pensar na merda em que se metera. O homem bêbado e enfurecido voltou acompanhado: na mão esquerda uma faca, na direita um loura que trouxera arrastando do quarto. “Que tipo de gente é essa?”, perguntava-se Lúcio.
- Então vaca, olha nos olhos deles , olha bem... e diz se não foi ele? – a mulher, no chão murmurou alguma coisa.
- Hein? Levanta! – puxou-a pelo braço e Lúcio pode ver diversas marcas roxas nele. Aquilo não parecia novidade para eles. – Levanta se não corto sua garganta!
Ela o fez. A mulher não era de todo o mal, mas também não era de levar ninguém à loucura, uns pés de galinha e umas papadinhas debaixo do queixo mostravam que o tempo chegava para ela. Numa atitude surpreendente – Lúcio teria muitos desses exemplos – a mulher enrijeceu o corpo, como que buscasse dignidade na postura, pôs a mão na cintura e falou displicente:
- É ele sim. – Lúcio sentiu o mundo girar, a mulher era igualmente louca – E apesar de ser um garoto e muito, muito mais homem que você, Fonseca.
Era o fim, o homem o mataria sem pestanejar, um enjôo apossou-se do estômago de Lúcio, podia sentir o Miojo que almoçou flutuar no ácido gástrico. Ele estava pronto para sai por onde tinha entrado. Para sua surpresa, o homem caiu de joelhos e começou a chorar e praguejar, atônito Lúcio olhava para ele e depois para ela num vai e vem sem saber o que fazer, olhou mais uma vez para o endereço, ele tinha de estar no apartamento errado. A porta entreaberta convidava-o a sair. Respirou fundo, ignorou o enjôo, benzeu-se mentalmente, preparou-se para correr... já era tarde. Fonseca já estava de pé, diante da porta e de faca em riste.
- Nem ouse, disse ele.
- Isso... isso nem passou pela minha cabeça, mentiu Lúcio.
Com a faca ainda apontada para Lúcio, Fonseca fez um sinal para que aquele se sentasse num canapé próximo à janela. Nunca passara pela sua cabeça que limpar aquários era algo perigoso, sequer que pudesse por sua vida em risco – uma vez sonhara que um imenso aquário de três metros cheio de piranhas caía sobre ele, mas tinha sido um sonho e depois de uma festa em que bebera vodca pela primeira vez; aquilo era a realidade. O irônico, que uma, apenas uma piranha punha sua vida em risco no momento.
- Senta ali!, gritou Fonseca para a mulher. Meio cambaleante ela obedeceu, sentou no canto e no outro Lúcio se encolhia, queria o menor contado com aquela doidivanas.
- Aí não, ali do lado do seu amante... agora! – a mulher obedeceu feito um cão – mais perto – mais uma vez obedecido – isso. Melhor não saírem daí.
Fonseca correu até o quarto.
Lúcio levantou-se e correu até a porta, trancada. Desesperado voltou ao sofá, levou as mãos ao rosto e falou para a mulher, que de pernas cruzadas parecia entediada.
- Por que fez isso?
- Ora, ele ia me matar! – respondeu como se responde o óbvio.
- Mas porque EU?! Eu nunca vi você! Nem sei seu nome!
- É Denise.
Lúcio desistiu de tentar encontrar uma explicação pra’quilo. Os dois ficaram em silencio, podiam ouvir o barulho de gavetas serem abertas e fechadas. O que Fonseca procurava com tanto afinco? Um turbilhão de pensamentos esmagava sua cabeça, o enjôo não fora esquecido, assustado, passou os olhos pela sala. Tudo muito “chic”, boas marcas, aqueles loucos tinha dinheiro e bom gosto, ao menos isso. No fundo da sala, próximo ao corredor estava o aquário, aproximou-se dele. Era um belo aquário, de água salgada, tinha corais... os peixes pareciam os únicos seres tranqüilos (e normais) daquele lugar, ali tinha um cirurgião-azul, um peixe-borboleta, um triggerfish. Um peixe chamou sua atenção, o danadinho parecia também olhar para Lúcio, era um Amphiprion Ocellaris, mais conhecido como peixe-palhaço, era um peixe caro, uns seiscentos reais mais ou menos. Ambos se aproximar do vidro, os dois ficaram se encarando por algum tempo, o peixe mexeu a boca e Lúcio jurou ter lido nela: “Tudo. Vai. Ficar. Bem.”
O peixe nadou de volta para seus companheiros, Lúcio piscou os olhos incrédulos, começou a se questionar se também não estava enlouquecendo. Voltou para o sofá. Olhou para Denise e perguntou:
- Você realmente fez isso?
- O que, traí ele? Sim, traí.
- E porque falou que foi comigo! – revoltou-se Lúcio.
- Já disse ele ia me matar... quieto ele está voltando.
Fonseca voltou com algo pendurado no pescoço.
- Não achei a filmadora, mas uma foto vai servir.
- Servi para quê? – perguntou para Lúcio.
- Ora para imortalizar este momento... merda, ta sem filme!
- Quer que eu compre? – perguntou Lúcio. Fonseca só deu um sorriso amarelo.
- Sentado aí! Eu não me demoro – e voltou a o quarto, de lá gritou:
- Querida! Onde está o refil da Polaroid?
- Na terceira porta do guarda-roupa, última gaveta! – gritou ela de volta.
- Não se preocupe, disse ela falando para Lúcio, não está lá.
- Você é louca! ela vai nos matar...
- Hi... relaxa, não é a primeira vez que ele diz isso, ou faz isso.
- Como assim?
- Vem cá, vou te mostrar uma coisa. – pegou o rapaz pelo braço e num console próximo ao aquário pegou um livro preto. Abriu-o e dele tirou quatro fotos.
Lúcio não sabia mais aonde por tanta surpresa. Ele vai mais não queria ver, naquelas fotos Denise estava a abraçadas a outros homens naquele mesmo sofá em que estavam sentados.
- Foram meus namorados – disse com saudade na voz – foi o Fonseca que as tirou... antes de matá-los.
Lúcio sentiu-se suspenso, ele estava sonhando um pesadelo muito real, não sabia mais respirar, o enjôo... ah o enjôo!, ele caminhou com dificuldade até a janela, os seis andares não ajudaram como pensou, aumentou a náusea, virou-se. Dessa vez não teve como segurar, expeliu todo o almoço num tapete branco felpudo, o cheiro de macarrão e galinha ganhou os ares da sala.
Fonseca voltou pelo corredor na mão direita a Polaroid, na esquerda já não tinha mais a faca. Fonseca não se perguntou o porquê de Lúcio estar de quatro sobre o tapete ou sua esposa com a mão no nariz, apenas disse:
- Os dois, pro sofá! Agora porra!
- Querida, olha o que eu também achei naquela gaveta! – brandiu uma semi-automática no ar – eu não me lembrava de tê-la posto lá desde... bem você sabe.
O homem falava da arma perdida como se fala de um chapéu, que meio fora de moda, vai pro fundo do armário e, quando o encontra se lembra com saudade.
- Ainda está carregada. Só tem duas balas – seu semblante tornou-se sombrio – uma para cada um. Antes a foto. Senta no colo dele, disse ele para a esposa. A mulher obedeceu, envolveu os braços no pescoço de Lúcio, que se sentia envolvido por uma sucuri pronta a engolí-lo.
- Olhem o passarinho! – a foto saiu da máquina, Fonseca a balançava nas mãos com agilidade, a imagem foi se formando lentamente...
- Vocês forma um belo casal, disse ele secamente, pena que vão morrer.
- Você sempre fala a mesma coisa! Podia ser ao menos um pouco mais original! – gritou a mulher.
- Cale a boca sua pistoleira!
- Corno!
- Adúltera!
- Chifrudo!
- Rameira!
- Galhudo!
- Vagaba!
- Alce!
- Galinha!
- Bode!
- Potrona!
- Hum... Touro...
- Vaca...
Lúcio estava chocado, aquilo tudo era um conto rodriguiano vivo em sua frente, o insólito casal que Há segundos disputavam um ping-pong de insultos, agora fariam Calígula ruborecer, com a sofreguidão e o ardor com que se beijavam e entregavam-se, pareciam dois animais no cio, Fonseca arrancava as roupas da esposa e esta o mesmo com o marido, estavam prestes a transar... copular ali mesmo, quando seus olhares cruzaram com os de Lúcio – que achando que perdera completamente a capacidade de surpreender-se novamente com aquele casal, vê-se novamente com cara de “paisagem”.
- Acabe logo com isto e vamos pra cama – disse Denise mordendo a orelha do marido.
Fonseca respondeu àquele estimulo muito bem, destravou a arma, pôs uma almofada próximo ao cano. O coração de Lúcio parecia bater por todo o corpo, tinha certeza de que os dois poderiam ouvi-lo, ele iria morrer por morrer – quanta estupidez. Aquele instante foi doloroso, o rosto cheio de acnes e cravos do garoto parecia explodir, não conseguia rezar – não saia do “rogai por nós pecadores” – olhou então para o aquário.
O peixinho-palhaço o observava com complacência.
- Ande logo! – Disse Denise – estou ficando com frio pelada aqui!
- Agora mesmo.
O tempo pareceu parar.
Fonseca com as “armas” em riste não teve tempo de reagir, sequer ouvir sua esposa gritar:
“PEIXE!”
O pequeno peixe-palhço saltou do aquário direto no falo de Fonseca, a dor lancinante o fez deixar cair arma, que disparou e atingiu em cheio o peito desnudo da esposa. Ainda com um sopro de vida, Denise pegou a arma e tentou salvar o marido, que tentava soltar o peixe, atirou. E errou. Ambos morreram poucos minutos depois.
Lúcio estava apoplético, só conseguiu fazer três coisas:
1. ligar para a polícia, 2. por o peixe-palhaço de volta para o aquário e 3. Sair daquele apartamento assim que suas pernas voltaram à vida.

FIM

1 comentários:

Anônimo disse...

Não dá nem pra te comparar com vinho ): assim não vale, rs.
Beijo de novo.
Vana.

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