Blog, café, sexo & cocaína

Era só outra noite. Mauro desceu com o seu cachorro para que ele esticasse as patas, presas horas a fio, no pequeno apartamento. Seguiu na direção de sempre: para a praça. Já era tarde, as ruas da Tijuca desertas; táxis esparsos, ônibus esparsos, pessoas esparsas e apressadas. E ele ali, entediado, vendo a urina aspergida do seu cachorro, Tito, nome cuidadosamente escolhido: orador romano, ex-presidente iugoslavo, irmão do Michael Jackson. Na quadra, uns tantos jogavam bola aos gritos perto da meia-noite, a praça estava deserta, com os cantos escuros. Se Mauro não estivesse tão desatento pensando no tipo de vida que vinha levando, há tempos teria notado que a praça já não era um lugar “legals” para passear com o Tito à noite, no way, não era mesmo. Não podia desprezar os vagos comentários sobre os frequentantes da praça à noite. Cantos escuros, porém invazios: viciados&vapores. (E a merda do cachorro que não cagava!) Ele não podia dar na pinta e sair de lá à toda – His gotta be cool! Gotta be cool! –, tinha de fazer como as autoridades: tudo normal. Um daqueles vampiros deixou a treva. Um não, uma. Uma viciada – rotulando, rotulando, rotulando... Alta desengonçada, pálida, freak model, ruiva e peituda. Em outra ocasião, acharia até muito bonita, mas ali, só blasé.

“Qual o nome?” – perguntou ela.


“Mauro.”

“Oi Mauro...” – e se abaixou para falar como meu cachorro. Uma ousadia dela: meu cachorro não é flower that smells. Não disse nada – quem mandou confundir meu nome com o do cachorro! Para minha surpresa, o viadinho abanou o rabo... Não se fazem mais cães como antigamente. Ela tava chapada, tava na cara... e nos olhos, no nariz, no arremedo de voz. Eu queria sair dali ontem e ela dialogando com o Tito. Usava uma blusa larga velha, mas de marca, estava sem sutiã também... eu via tudo daquele ângulo e por um momento, só por um momento, aquilo estava interessante. Foi até ela se levantar e me encarar, levar a mão ao bolso e tirar de lá um papelote: 1g® branca. pura. colombiana.

“Fica. É presente pra você e o pro Mauro”, me disse ela ainda errando o meu nome. Sem saber o porquê fui pegando aquela merda e pondo no bolso.

***

Como um adolescente que compra a primeira revista de mujer desnuda, Mauro se trancou no quarto. O computador estava ligado baixando música, o som um pouquinho alto para aquela hora, mas ele estava com preguiça de abaixar, ficou só deitado na cama, ainda de tênis, brincando com o papelote entre os dedos, decidindo se ia ele fazer o download da cocaína narina a dentro.

***

Não fazia ideia de quanto tempo se passara – qualquer coisa entre a fração de tempo contida na mais ínfima hora ao infinito minuto. Porém, o que se passara ainda estava ali com ele. Assim que cheirou o pó, ela entrou pela porta, já não vestia mais a camisa larga que deixava os seios fartos a mostra, os andrajos deram lugar a um vestido azul, branco, cheio de anáguas – Alice? – os cabelos vermelhos escovados e brilhantes. Ela não falou nada, apenas se jogou sobre ele. “Qual o seu nome?” Foi a vez dele perguntar. “Janaína.” “Rima com cocaína” e ele gargalhou alto ao vê-la levantar o vestido: os pentelhos de Janaína eram vermelhos como a cor de seus cabelos, e crespos como o dele. Não fazia ideia de quanto tempo se passara – qualquer coisa entre a fração de tempo contida na mais ínfima hora ao infinito minuto. Quando se deu por si, não havia mais ruiva, e sim uma morena que dançava alguma coisa mexicana ou... romena? para ele, “Que horas são?” ela perguntou, ele tentou responder, mas da sua boca apenas saíram cores – o rojo, amarillo, Blanco y nigro – e pediu para que parassem de dançar, ele sentou novamente na cama e sem cerimônia vomitou no rosto da morena, ainda suja ele perguntou o seu nome. “É Valquíria.” “Rima com cocaína” e ele gargalhou alto ao vê-la limpar-se com o seu lençol todo o vômito, não sem antes sentar with legs wide open por cima dele. Sentiu alguma coisa úmida entre as pernas: era seu cachorro que lambia as suas bolas. Não tinha ideia de quanto tempo se passara – qualquer coisa entre a fração de tempo contida na mais ínfima hora ao infinito minuto fazia sentido – com um chute, cortou o desejo do seu cachorro pelos os seus testículos. O relógio de cabeceira marcava 3h e 67m – e a hora estava certa – a luz azul do Windows supria suas necessidades aquele momento – desligou direto do estabilizador. Deu-se conta que não sabia se dormira ou se tudo não passara do encanto do seu primeiro tapa – não estava com sono. Estava com sede. Virou uma garrafa inteira d’água para dentro. A nova garrafa térmica estava sobre a pia, sacudiu, ainda havia alguma coisa ali, o café frio pareceu estranhamente delicioso, levou o que não bebeu para o quarto e tentou dormir......................................................Não conseguiu. Estava inquieto demais, começava ficar lúcido, ele tinha de alguma forma registrar aquela sua nova experiência, não teve dúvida ao ligar o computador para postar àquela hora, enquanto sua máquina carregava, ele tentava concatenar as ideias o quanto possível – elas começavam a fugir, já não tinha certeza o que fora experiência química e o que era imaginação caótica. Quando por fim conseguiu logar no seu blog, era tarde, não sabia nem por onde começar, resolveu então por tudo em dúvida ao escrever em primeira pessoa e por o seu nome de verdade naquilo ao digitar: “Era só outra noite.”


11 comentários:

Unknown disse...

Você escreve muito bem! Sua narrativa passa uma realidade, que, ao ler, me senti como se tivesse assistindo o episódio do conto. Além disso, gostei da mistura que faz de gírias e termos em inglês.

Unknown disse...

@Sirlene: Obrigado pelo comentário! Uma das minhas propostas de escrita é essa mesma: ser imagética. Bem seja bemvinda (agora junto) ao blog e volte mais vezes, tem outros contos espalhados nele... fuça aí1

Unknown disse...

@Gisele:Muito obrigado, sempre com palavras "gentis", rs... Posso tentar ajudar sim, quando precisar me passa as dúvidas SÓ por e-mail.

Ze Alexandre disse...

É Maurete - que rima com.. - tá lendo muito fables, e cheirando muito hein?! Continue assim. Quando conseguir ácido me avise ok? Abração

Unknown disse...

@Zé Alexandre:Que isso Zé!!! Sim, é muito Fables, mas quanto a pó e ácido,só mesmo na Literatura.

Angela Lima disse...

Oi, Mauro! Nunca tenho muito tempo pra internet, mas resolvi dar uma passadinha aqui no seu blog e adorei seu conto! Muito legal isso de misturar realidade com ficção: mexe mesmo com o leitor! Bjinhos, tudo de bom!

Juju disse...

Tito, quer dizer, Mauro... rs
Fodaaaaaaa!!!!
Amay, como sempre. Bju!!

Unknown disse...

@Angela: Tempo é algo que já desisti de obter, apenas me rendo aos seus desígnios. Que bom que você gostou do conto, é uma das minha primeiras experiências com auto-ficção. Virão outros.

@Juju: Eu e o Tito, o coautor do conto, agradeçamos a atenção dispensada a esse pequeno papel disperso. ;)

Bruna Mitrano disse...

Há! Gostei hein! Essa coisa de incertezas: é ruiva ou é morena ou é cahorro; e, claro, a dúvida maior.
Amigo, só não gostei do "download" da cocaína, sei lá..rsrsr

Unknown disse...

@ Bruna:Rsss... sempre lendo nas vísceras dos signos.

Como assim não gostou do download?! Acho que sei, ela tá meio fora de tom em relação ao resto do texto, assim, semanticamente falando.

Emerson Rickenbacker/RJ disse...

"... e a merda do cachorro que não cagava !"

Esse Tito é fdp mesmo! =D

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