Conto de fadas (I) - Novo conto
Desde pequeno achava os contos de fadas estranhos, tinha a sensação de que algo estava faltando nelas... Não tem nada a ver com o enredo e os desenlaces, era algo mais mental, intrínseco a minha capacidade de compreender as entrelinhas das histórias. E o filtro Disney não melhorou o fato. Mas não posso dizer que não gosto delas. E uma vez conversando com a Julianna ela me deu uma aulinha sobre o assunto e o olhar psicanalítico sobre os mesmos. O conto que acabei de escrever AGORA e que publico também, agora, não é fruto dessa conversa antiga...é só mais uma maneira de olhar a coisa toda.
Conto de Fadas (I)
Ela era uma princesa, como muitas dessas por aí... a sua adversidade era a de dormir e dormir e dormir (narcolepsia?) até que o Belo Príncipe a despertasse com o beijo sincero do amor sincero. Anos e anos se passaram até que o tal se apresentasse, era o ano de 2009.
Observou as heras e vinhas, espinhos, liquens, musgos que guardavam o seu catre. Uma menina inocente. Ele se aproximou e ficou fatalmente encantado, tocou-lhe o rosto sereno com cuidado... o cabelo louro numa mecha crescida cobria os olhos e descia até tocar o chão de um mármore agora velho. Tocou-lhe os lábios róseos com cuidado... parecia morta. Deu tapinhas no rosto. Parecia morta. Mais fortes. Parecia morta. Ei! Parecia morta. A bela princesa era muito bonita. Parecia morta. (narcolepsia?) Suas roupas fora de moda estavam apertadas e gastas, rasgando e puindo em várias partes – os ombros e braços à mostra. Os tornozelos e canelas à mostra. O colo à mostra. A princesa crescera naquele cárcere de panos e rendas.
O príncipe nunca amara, nunca tivera um amor vivo (necrofilia?), ninguém desse mundo lhe dava prazer (necrofilia?) saiu aí, no mundo, numa busca muda.
Tocou-lhe os ombros, parecia morta; os braços, parecia morta; os tornozelos, parecia morta; as canelas, parecia morta. Passou a sua mão mais uma vez por aquele rosto cândido e aqueles lábios pios; inclinou-se, quase lhe tocando, disse no afã de ser ouvido: “I wish I could eat the salt of your lost and fading lips.”
As roupas praticamente se desfaziam ao toque de tão velhas que estavam: tocou-lhe os seios. E todo o resto. Mas não lhe deu nenhum beijo. Não parou até os enfermeiros do sanatório perceberem mais uma vez a ausência dele, o necrófilo, e irromperem pelo quarto da menina narcoléptica e o arrancarem a força de lá não sem muito esforço, aplicando inúmeras seringas no seu pescoço e braços até ele adormecer.
A bela, ali adormecida, não acordou. Já não era mais uma menina inocente e...
***
P.S.: para saberem o contexto da frase em inglês, busquem numa música do Interpol; a tradução? Deem um jeitinho; o conto termina assim mesmo; o "I" entre parênteses pode ou não indicar um "conto de fadas (II). ;D
3 comentários:
Aêê! Achei os comments... rsrs
Como sempre, amei o conto! rs
A quem interessar, o nome do livro é "A psicanálise dos contos de fada", do Bruno Bettelheim. Muito legal, vale a pena.
Rsss... Ju, Ju...
Está aí a dica da maior comentadora do blog: ACEITEM!!! RS.
site muitooooo ruim nawn recomendo!!!!!!!!!
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