Última Chance

 

ÚLTIMA CHANCE. Daqui posso vê-la, através do espelho ainda parece decidir, fazer parecer sensato. Eu não posso demorar, não posso deixar que a dúvida transfigure-se em sombra; a sombra em algo palpável, algo que parcialmente inteiro, um véu, que apesar de fino e translúcido, uma barreira, é intransponível entre nós.

Última chance. É só o que consigo pensar: última chance... última chance... última chance... um trem apitando, anunciando a última saída, a chance que tenho de embarcar, corro pela plataforma de mão estendida; corro pelo corpo... mais uma vez.

Eu sei que amanhã ela vai achar tudo isso um erro, vai sentir nojento tudo que se passará, ela irá tomar um banho: um banho quente; vai se esfregar com força a esponja no corpo, querendo se limpar de mim, cada contato. Ela vai sentir raiva. Como nunca sentiu. E qualquer coisa que faça, qualquer coisa que eu possa tentar fazer para que esta noite permaneça terá sido inútil diante do dia em que lhe dei as costas por outra. (Hoje eu vou contar com a sorte para inverter clichês.) Ela nunca me perdoou. Então essa é a última chance que eu tenho de consertar o que eu fiz, colar cacos (ainda que cole, será o mesmo vaso?). Hoje sei que sempre foi ela. Um pouco tarde. Vago como um espectro pela minha remissão, buscando consolo nos colos alheios, sugando algo que elas não tem para oferecer... virei um estranho íncubo. (Viver faz mal) Mas com ela sou eu mesmo, corpo reconstruído, restaurado, os estilhaços que era não mais. Com ela meu fingimento dura pouco: sou autêntico.

Em algum lugar, ela ainda me guarda. E foi isso que a trouxe aqui, uma saudade (uma dor dela), mas está claro no se corpo que será só isso: nostalgia. (Purgar essa dor) Não posso dizer que a amo, que a quero de volta, que não vivo sem ela (me jogar no chão é sim uma possibilidade) se não, nem essa nostalgia vou ter, e ela passará por aquela porta. É a minha última chance. Ela não me deu escolhas a não ser de eu estar aqui, fazendo amor com camisinhas que furei enquanto a olhava pelo espelho.

Hoje, hoje eu inverto clichês.

Itaipava, 31/01/09

1 comentários:

V.H. de A. Barbosa disse...

Muito bom, Mauro.

Inverter clichês só o deixa, como você mesmo disse, "autêntico". E dá gosto de ler!

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